sábado, dezembro 30, 2006
Onda de violência no Rio de Janeiro
Na madrugada de quinta-feira (28), uma série de acções violentas espalharam-se por diferentes pontos do Rio e levou o panico à população. Delegacias e viaturas
da Polícia Militar foram alvos de tiros. Autocarros foram incendiados. No total, 18 pessoas perderam a vida, sete delas carbonizadas.
Os secretários da Segurança Pública, Roberto Precioso Júnior, e da Administração Penitenciária, Astério Pereira dos Santos, divergiram publicamente sobre as motivações dos ataques.Para Precioso Júnior, a ordem para a onda de violência partiu de presos, que temem mudanças na administração penitenciária a partir de 2007, com a troca de comando do governo do Estado, e o endurecimento do regime disciplinar.Ele afirmou que a série de ataques não foi organizada por uma única facção, mas por criminosos que se uniram em torno de interesses comuns para pressionar o governo a, mais tarde, negociar concessões e privilégios. Uma das preocupações dos criminosos seriam os prejuízos financeiros causados pelas acções do governo, como as de repressão ao tráfico de drogas.Já o secretário da Administração Penitenciária disse que as acções foram uma reacção às milícias de policiais e ex-policiais que tomam conta de morros e favelas na cidade.
Reportagem publicada no jornal Folha de São Paulo mostrou que milícias formadas por policiais, ex-policiais, bombeiros, agentes penitenciários e militares já expulsaram traficantes de comunidades e ocuparam favelas.Durante os ataques, foram encontrados panfletos que diziam "Rosinha e Garotinho apóiam a "melíssia" (sic) contra o pobre e o favelado e a resposta é Rio de sangue". O texto refere-se à governadora, Rosinha Matheus, e a seu marido, o ex-governador Anthony Garotinho, ambos do PMDB.
Vítimas
Nas acções, sete ocupantes de um autocarro interestadual incendiado no acesso da avenida Brasil à estrada Washington Luís morreram carbonizados. Também morreram dois policiais militares, uma vendedora ambulante e um homem, além de sete suspeitos.Os passageiros do autocarro da companhia Itapemirim foram surpreendidos durante a madrugada. O veículo, que havia saído de Cachoeiro de Itapemirim (ES) e seguia para São Paulo, foi interceptado por um grupo armado. Um dos criminosos entrou, assaltou os passageiros e, depois, atirou combustível e ateou fogo ao autocarro.Dos 28 passageiros, sete não conseguiram sair. A identificação dos corpos será feita por meio de exames de DNA.Acções violentas também foram registadas entre a noite de quinta e a madrugada desta sexta-feira, mas a polícia investiga se têm ligação com o crime organizado ou se foram acções isoladas.
Copacabana, ataques não afectaram a rotina dos turistas
Rio - Pouco antes das 15h de ontem, os biólogos Miriam Perilli e Felipe Fernandes, ambos de Belo Horizonte, desfrutavam de cerveja e letras no quiosque Rainbow, no calçadão da praia de Copacabana. Ela folheava "Cem Sonetos de Amor", do poeta chileno Pablo Neruda. Ele, "A Arqueologia do Saber", do filósofo francês Michel Foucault.
Violência? "Não, não me preocupa", disse Fernandes.A passeio no Rio de Janeiro, os colegas souberam da barbárie por uma amiga que telefonou de Minas Gerais.Na mesa vizinha, a professora inglesa Elena tudo ignorava, tal como sua companheira de viagem, a irlandesa Naomi. "Aqui em Copacabana desconhecemos isso", contou Elena.As turistas bebiam água no coco, não quiseram informar os sobrenomes nem se interessaram em saber sobre as mortes e os ataques na capital fluminense noticiados até então.
O engenheiro americano Michael Earnest sabia do que estava acontecendo desde o café da manhã no hotel. Sozinho com a lata de cerveja, comentou: "Em Copacabana e Ipanema eu vejo muitos policiais. Pode haver problemas em outros lugares, não por aqui".Do outro lado da rua, mãe e filho, de Brasília, posavam junto à estátua do colunista social Ibrahim Sued, diante do Copacabana Palace.
Brasileira que presta serviços em uma embaixada estrangeira, Isabel se dizia tranqüila --mas não a ponto de revelar seu nome completo: "É perigoso aqui no Rio apenas para quem é rico".Se considerar o que se passou ontem, ocorre o contrário: os mortos não bombaram na Bolsa em 2006; e, se Copacabana seguia seu ritmo normal como o relógio que conta os dias para o Pan, a vida de quem vive longe da orla se complicou.
Na estação Central do Brasil, uma garota de 16 anos que trabalha numa casa de lotaria angustiada com o retorno a casa, no bairro de Bangu, onde autocarro havia sido incendiado. Ela sairia depois das 20h e iria de comboio, mas temia a incerteza.Às 15h20, um comboio parou por cinco minutos na estação de Bangu para evitar a região de Senador Camará, em cuja vizinhança acontecia um tiroteio. Em seguida, os telefones da Supervia (empresa que administra o sistema férreo no Rio de Janeiro) congestionaram com gente aflita por informações.
Encostada na grade da estação, acarinhando os tererês (trancinhas), a prostituta Janaína lamentava: até as 16h30 ela costuma atender a quatro fregueses (cobra entre R$ 20 e R$ 40). Ontem só apareceram dois. "Com esse clima, o pessoal está com medo até de entrar no hotel", contou Janaína. "É como um cliente me disse há pouco: "Eu sabia que isso não ia ficar só em São Paulo"."
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