quinta-feira, novembro 02, 2006

Ontem não te Vi em Babilónia


Excerto da entrevista de António Lobo Antunes a Alexandra Lucas Coelho e Enric Vives-Rubio, na Pública, do Jornal Público, em 29 De Outubro de 2006, a propósito do livro
Ontem não te Vi em Babilóbia.
(...) Portanto, encontrou a frase em espanhol.
Sim." Ayer no te vi en Babilonia."
Um grau de coloquia que dificilmente imaginamos 3000 anos antes de Cristo.
Fique a pensar quem tinha mandado aquilo para quem.Tinha um ar de quotidiano.Ontem não te vi...Ontem não te vi no Corte Inglés..Ontem não te vi np café..
Ao mesmo tempo descobri noutro livro cartas de um pai para o filho com cinco mil anos, no Egipto: "Se não estudas, nunca serás nada na vida." Como agora.(...)
Nacrónica que escreveu em Jerusalém diz que há nomes que fazem sonhar.Babilónia é um nome assim.
É. Por várias vezes pensei pôr essa palavra np título de um livro. Sempre me fez sonhar. E mais me fez sonhar com o Camões, também - de quem cada vez gosto mais. Cada vez gosto mais me parece que ele inventou o português mais moderno. E ainda fiquei a gostar mais dele depois de ler o que Quevedo escreveu sobre Camões. Se tivesse que escolher um escritor só, a seguir a mim, escolhia o Quevedo.
A seguir a si escolhia Quevedo...
Deve ser das poucas coisas em que estou de acordo , quando ele dizia que o Quevedo não era um escritor, era uma literatura.(...) Por exemplo, aquele começo de um soneto(começa a dizer, de cor):
"Retirado en la paz de estos desiertos/con pocos,escojidos,libros juntos/vivo en conversación con los difuntos/ y escuchocon mis ojos a los muertos..."
Já viu a maravilha disto?
Quando disse "Se tivesse que escolher um escritor escolhia-me a mim...", pensei que ia dizer Camões.
Honestamente, se tivesse que escolher um escritor escolhia-me a mim.
Sim, depois de si, pensei que ia dizer Camões.
O Quevedo tinha uma enorme admiração pelo Camões.Imitou-o, no bom sentido, variadíssimas vezes.Nasce no ano em que Camões morre, 1580. Não acho que Camões tenha...O Quevedo era mais extenso...A gente não pode comparar.A única vez que estive num júri de um prémio foi há muitos anos, eram dois livros tão diferentes, como é que se podia escolher entre um e outro?
Estava no júri também o Fernando Assis Pacheco, e eu disse-lhe:" Olha, vota em quem quiseres e diz que voto como tu."Não fui à reunião nem nada.Estava tão embaraçado com aquilo. Quem sou eu para julgar. Obviamente sou um péssimo crítico, está tudo distorcido pela minha maneira de ver. Por que é que gosto de tão poucos escritores? De quatro ou cinco, cada vez menos?
Babilónia tem um eco no Iraque.Pensou nisso?
Não. Era apenas a magia do nome."Babilónia", que me encantava, depois o "ontem não te vi".Depois achei que...Sei lá, acho que o António não é um nome para mim, devia ter outro nome qualquer. Só devia dar o nome às pessoas quando elas já são grandes.
Há vários momentos em que vai dialogando com o que está a escrever, e depois há um em que está lá o seu nome. Lembrei-me porque falou do seu nome próprio.
O que é extraordinário é que foi desde que deixei de fazer planos que isto começou a acontecer. Aquilo é uma coisa com realidade. Aquilo é uma coisa com uma realidade tão densa e está em constante diálogo comigo.Tenho a certeza de que não sou capaz de escrever, não é? E depois começo.E aquilo transforma-se...é uma luta, é um combate, é uma relação.
Eu devia ter começado a publicar só a partir de "O Esplendor de Portugal"..
(...) O mundo contemporâneo interessa-lhe? Poder sugá-lo para dentro do seu mundo?
Para escrever não.Porque nos últimos livros tenho vindo a descobrir coisas que não sabia que existiam dentro de mim. Estou cada vez mais autista.
(...) Uma das suas filhas foi ao Iraque.Nessa altura seguia mais a actualidade?
Nessa altura estava preocupado. É evidente que me indignou a invasão ao Iraque. E é evidente que às vezes, naquelas crónicas me apetece falar de coisas, mas não faço, porque seria injusto. Se eu atacásse alguém, vamos supor, a pessoa não podia responder. Ou respondia com uma carta ao director.Não tinha o mesmo reflexo.
Está a falar de quê? atacar alguém...?
Estou a dizer que podia falar desses temas, do Governo, da oposição, do Iraque, do Líbano, do julgamento da Casa Pia, ou não sei o quê.
Mas não lhe interessa.
Claro que me interessa.Mas tenho a sensação que ando a negociar com a morte.Só mais um livro, só mais um livro...Vejo morrer tanta gente, de todas as idades. Queria ainda deixar esses livros.Portanto, tenho metido o tempo todo nisso.Mas claro que me interessa, e indigna-me e isso tudo.
Agora há um livro do Carlos Fuentes, chamado "Bush". Penso: "É importante escrever isto." Mas eu não posso escrever isto. Não tenho tempo. Há livros que gosto de ler mas que não gostaria ter escrito.
Já viu a maravilha disto?
Continua..

2 comentários:

Xiquinho disse...

Boa literatura sim senhor. Gosto do que este rapaz escreve. Claro que às vezes é preciso, primeiro, tomar qualquer coisinha para entrar na sua linha de pensamento. Ele escreve como pensa, ou seja, escreve com a mesma rapidez com que pensa, o que às vezes nos poderá atrofiar a paciência. Mas destaco o seu "Livro de Crónicas" e os "Cús de Judas". Já o "Não te deixeirei entrar depressa nesta noite escura" é de cortar a paciência a um morto.

TMF disse...

Sim logicamente, mas este homem em entrevistas faz.me perder peças..é dos entrevistados mais dificeis e ao mesmo tempo mais aliciantes..a contra pergunta..desarma.Até os mais experientes..Autismo, como alguém nosso querido..cada vez faz mais sentido.

Dou-lhe mais razão.